Coordenação Laura Afonso
ISBN:978-989-8248-11-4
Parte II
A panificadora um ensaio pedagógico - Anabela Quelhas
Pág157 a 168
[Espaço Miguel Torga]
ISBN:978-989-8248-11-4
Parte II
A panificadora um ensaio pedagógico - Anabela Quelhas
Pág157 a 168
[Espaço Miguel Torga]
Por: Anabela Quelhas
Há 30 anos, quando decidi viver em Vila Real, os meus amigos perguntaram-me:
— Que encantos tem Vila Real, para ires viver para a parvónia?
Expliquei sobre uma cidade pequena com tradição, com
história, o regresso às minhas origens visigóticas e talvez pagãs, as vantagens
de viver numa cidade pequena, com pessoas genuínas que conviviam e negociavam
com as pessoas das aldeias próximas, às terças e sextas, dias de mercado, e
todos os dias na praça de S. Pedro. Expliquei-lhes sobre o chamamento do
telúrico tão bem descrito por Torga, o mar de pedras, de economizar tempo em
transportes, viver a 5 minutos do meu local de trabalho… expliquei-lhes sobre o
cabrito no forno, os doces conventuais, sobre os canastros e as cascatas do
Alvão. Finalmente arrumava com eles falando sobre Panóias, Nasoni e uma obra de
Nadir Afonso, que admirava todos os dias e me fazia viajar no tempo até Le
Corbusier, Óscar Niemeyer e o meu conterrâneo, Vasco Vieira da Costa.
Agora perguntam-me, porque continuas aí?
Seguiu-se a apresentação do filme de José Paulo Santos sobre
a panificadora demolida.
Fui a primeira a chamar à razão os cidadãos da Bila, para
este caso do seu património, depois ganhei distanciamento à causa, faltando-me
resiliência às questões políticas e às estratégias pouco transparentes
utilizadas, que já adivinhava que terminariam mal. Hoje também me afastei um
pouco, permanecendo no local, de forma discreta, porque me emociona esta causa
perdida, por lamentar que os cidadãos e os responsáveis políticos não respeitem
a cultura e o património de todos. Opor a um ícone da arquitectura portuguesa,
que nos leva aos gigantes da arquitectura do século XX, um supermercado cheio
de bróculos, papel higiénico e farelos de aveia, deixa-me desconfortável e
preocupada. Acho tudo isto incrivelmente pequenino. Nem um painel de azulejos
de Nadir apagará esta vergonha, pelo contrário, é uma solução tão ridícula que
acentua a vergonha. Prefiro o vazio.
Parabéns Zé Paulo, fica o registo cinematográfico da nossa
memória. Obrigada.