sábado, 5 de outubro de 2013

Uma dissertação de mestrado integrado em arquitectura

Carolina Joana dos Santos Rodrigues
Dissertação de Mestrado Integrado em Arquitectura
Sob orientação do Professor Doutor Joaquim Almeida
Departamento de Arquitectura, FCTUC
Julho de 2013

https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/24415/1/PANIFICADORA%20DE%20VILA%20REAL%20-%20Carolina%20Rodrigues.pdf

O que já se escreveu na comunicação social

Consulte o que já se escreveu sobre este edifício.


http://www.noticiasdevilareal.com/noticias/index.php?action=getDetalhe&id=1307

Porquê preservar?


Porquê preservar?

Tenho como missão ensinar a ver, ensinar a representar, ensinar a intervir e ensinar a trabalhar. Esta missão, que se vai desenvolvendo ao longo dos anos, integra diversos conteúdos programáticos, entre os quais o património cultural.

Por definição o património cultural “é o conjunto de todos os bens, materiais ou imateriais, que, pelo seu valor próprio, devem ser considerados de interesse relevante para a permanência e a identidade da cultura de um povo.”(Wikipédia).

Património cultural é tudo aquilo que nos distingue dos outros e que deveremos preservar para passar às gerações futuras. Dentro do património cultural, destaca-se o património arquitectónico. 
Nos anos anteriores tentei sensibilizar os meus alunos para os problemas do mundo rural e por consequência, para a preservação da arquitectura popular. Este ano mudei de direcção e fixei-me na problemática urbana mais próxima. Nós que integramos o agrupamento de escolas da margem esquerda de Vila Real, temos no nosso território exemplos que serviram de motivo de estudo aos meus alunos. A sensibilização foi dirigida aos alunos do 9º ano, jovens de 14 anos, na sala de aula através de, visualização de fotos do meio envolvente mais próximo, registos gráficos realizados pelos alunos, leitura de textos, debate de ideias e reflexões escritas.

Porquê preservar?

A história de uma cidade também se faz através da arquitectura dos seus edifícios, pois eles são o reflexo de diversos tempos, nas suas vertentes artística, social, económica e humana.

Vila Real possui vários edifícios característicos de diversas épocas, conservados ou não, alterados ou originais e que são testemunhos sólidos da vida da nossa cidade, da sua história e da sua gente. Por vezes envolvem situações problemáticas de conservação /manutenção, outras vezes constituem-se como obstáculos a esta ideia desenfreada da especulação, que os edifícios e a história têm que ser forçosamente lucrativos. Todos eles são ícones repositórios das memórias urbanas, mais ou menos adaptados à sociedade moderna, que respondem ou não às mudanças e às exigências do século XXI, mas que fazem parte da cultura desta cidade e são importantes para o desenvolvimento sustentado e para o bemestar social.

Por vezes cometem-se erros, alimentam-se desvios, fundamentam-se decisões polémicas... e os cidadãos o que fazem? Remetem-se ao papel de simples espectadores passivos, desconhecendo por vezes o valor patrimonial dos espaços, dos edifícios e os motivos que podem assistir a cada decisão tomada pela autarquia.

É necessário construir uma consciência cívica de cidadãos, informados, activos, intervenientes e capazes de influenciar decisões, de quem pode decidir e lutar por aquilo que lhes pertence.

As cidades são como seres vivos, nascem, crescem, aumentam de tamanho, acompanham o tempo e as novas exigências, mas também se degradam, também adoecem e ficam moribundas. 
As cidades são feitas por semelhanças mas também pelas suas diferenças. As exigências dos seus habitantes é cada vez maior e por isso as cidades mudam, mas é conveniente que mudem para melhor, sem sacrificar a sua história e os seus símbolos, pois são estes componentes que criam a identidade dos cidadãos.

Talvez se levante a questão do que é efectivamente património arquitectónico. Património arquitectónico serão apenas os monumentos? Serão apenas os edifícios ou locais selecionados pelo Instituto Português do Património Arquitectónico? Serão apenas os edifícios antigos com muitos anos de existência? Entendo que a ideia de património arquitectónico é mais vasta, englobando imóveis de autor, imóveis modestos com particularidades formais ou construtivas de destaque, imóveis contemporâneos que espelham o nosso momento civilizacional, imóveis que testemunham a memória colectiva de um local…. Deve ser uma ideia sempre aberta e enriquecida gradualmente conforme as cidades e conforme os seus habitantes.

É necessário saber valorizar e saber porquê.

Reparem que muitos de nós, vivemos uma vida inteira no mesmo sítio, não estamos de passagem, assumimos uma vida sedentária, num país, numa cidade, numa comunidade, estabelecendo ligações laborais e afectivas com o espaço que nos envolve e com as pessoas, criando redes e articulações derivadas dos percursos que fazemos, quando vamos trabalhar, quando vamos às compras, quando nos vamos divertir, quando visitamos familiares e amigos e até quando permanecemos em casa olhando pela janela ou reflectindo sobre nós mesmos.

Nós vivemos numa cidade de características únicas que a identificam como Vila Real, diferente do Porto, de Lisboa ou de Bragança. A força da globalização, da uniformização e da normalização é enorme, e se não favorecermos uma contra corrente de opinião e de vontade sobre situações urbanas únicas da nossa identidade, essa força engolir-nos-á convertendo a nossa cidade numa urbe formatada e sem alma, onde cada um de nós será apenas mais um, contanto apenas como expressão numérica. 
É isso que queremos?

É necessário conservar a nossa cultura para a podermos legar aos nossos filhos, pois ela dignifica-nos a todos.

É necessário termos orgulho daquilo que possuímos.

Talvez ninguém se desloque a Vila Real para ver um centro comercial, um hipermercado, um hotel de 15 pisos, um pavilhão desportivo, mas certamente alguém virá para ver uma obra de autor e neste caso do arquitecto Nadir Afonso, um exemplo da arquitectura moderna portuguesa. É esta certeza que faz com que olhemos para o edifício da Panificadora de Vila Real com outros olhos e olhar renovado - olhos que sabem ver, sentir e relacionar.

A história, o autor e o desenho arquitectónico são três elementos que irão certamente validar a sua preservação e irão gerar desconforto na nossa consciência cívica ao visualizarmos o que ali está actualmente - edifício degradado, vazio de função, cheio de lixo e entulho, vandalizado, sujo, grafitado, mas que comunica pelo silêncio, e bem. Nós ignoramo-lo e ele permanece mudo e estático, presenciando as mudanças, assistindo passivamente às agressões de que é alvo, integrando a dialéctica dos tempos, esvaindo-se em marginalidade e deterioração, mas com uma dignidade ímpar daqueles que sabem o valor que têm e sabem ser resilientes. 
Quem não conhece, experimente ver o local ou visualize as fotos.


Anabela Quelhas (arqtª)
(docente de artes visuais do Agrupamento de Escolas Morgado de Mateus) 
(não respeita o acordo ortográfico)


O projecto - peças desenhadas

PLANTA TOPOGRÁFICA

 PERSPECTIVA DO CONJUNTO
PLANTA DO RÉS-CHÃO

 PLANTA DA COBERTURA E ANDAR 
 
 CORTE A-B

  CORTE I-J

 CORTE L-M

 ALÇADO NORDESTE

 ALÇADO NOROESTE
 
 ALÇADO SUDESTE

ALÇADO SUDOESTE

A história e o projecto - in "Nadir Afonso obra" - João Cepeda



Panificadora de Vila Real
Vila Real 1965

Em 1944, várias padarias existentes fora de Vila Real uniram-se, formando a empresa "Vila Real Panificadora, Lda.", com sede na Rua Alexandre Herculano dessa mesma cidade. O seu crescimento foi exponencial e rapidamente se estabeleceu como uma referência da panificação da zona.
Cerca de 20 anos mais tarde, em 1965, Manuel da Costa Azevedo júnior - cidadão de grandes posses, residente no Porto e dono de uma empresa de moagem em Marco de Canaveses -, adquiriu a "Vila Real Panificadora, Lda." e outras pequenas padarias que, entretanto, haviam surgido. A par do crescimento da "Vila Real Panificadora, Lda." formou-se uma outra sociedade, constituída por quatro associados principais, todos intimamente ligados à indústria da panificação - Mário do Poço Duro, António Teixeira, Sebastião Eirinhas e Domingos Gaspar. Mais tarde, esta nova sociedade fundir-se-ia com a "Vila Real Panificadora, Lda." (embora contra a vontade de António Teixeira), reforçando a influência que esta possuía então no mercado.
Após a união, no mês de Junho de 1965, foi decidida a construção de um edifício que acolhesse uma panificadora principal. Assim, Manuel da Costa Azevedo Júnior requereu autorização à Câmara Municipal de Vila Real para a construção do equipamento que se iria situar perto do atual bairro da Araucária, numa zona então unicamente destinada às indústrias. Talvez pelo conhecimento da panificadora com mais sucesso da região - a de Chaves -, uma vez deferido o pedido, foi convidado para conceber o desenho do edifício Nadir
Afonso, sendo então apresentado um projeto de arquitetura assinado pelo mesmo.
Após a vistoria final à obra, ocorrida a 7 de Outubro de 1966, a panificadora estava concluída e aprovada pela Câmara, tendo o custo total da construção rondado os 10 mil contos, segundo um dos sócios trabalhadores, Mário Duro1.
Três anos depois de ter traçado a panificadora de Chaves, Nadir Afonso via-se novamente confrontado com a resposta a um programa exatamente igual ao primeiro exemplo.
Ao analisar esta segunda panificadora, é fácil concluir que, curiosamente, o arquiteto decidiu realizar uma abordagem e estratégia de projeto em tudo semelhantes à obra de
Chaves, como aliás o próprio "confessa": (...) A [panificadora] de Vila Real é uma «cópia» (...) adaptada. (...) Presumo que a de Chaves esteja melhor2.
Além da extrema parecença entre estes dois trabalhos, ambos partilham também uma situação geográfica idêntica relativamente ao centro da cidade, localizando-se a panificadora numa zona então confinante de Vila Real3. O seu terreno de implantação é igualmente plano e o edifício situa-se, mais uma vez, numa esquina.
Novamente, tudo é organizado em redor de uma grande sala de trabalho, existindo a mesma preocupação de uma total independência de serviços, "circuitos" e acessos. As dependências que compõem esta fábrica são praticamente as mesmas das de Chaves, com uma "pequena" diferença que será de assinalar: aqui, o armazenamento da farinha era feito numa grande torre - a "torre dos silos" -, para onde esta era levada e guardada, de maneira a que, quando necessário, caísse diretamente nas amassadeiras4. Esta alta torre apresenta-se como um elemento bastante visível no edifício, configurando uma componente vertical fortemente presente que contrasta com a restante horizontalidade do conjunto. Esta é, de resto, a única grande diferença em relação à imagem global das duas panificadoras que, como já foi referido, apresentam a mesma linguagem arquitetónica.
Também aqui a cobertura é feita numa sucessão de abóbadas de cascas em betão armado. Porém, neste caso, todas as três lajes "rampeadas" que a compõem incluem este tipo de solução. Assim, a primeira e a segunda laje incorporam duas abóbadas de perfil curvo, e a terceira, uma, todas novamente desfasadas em cerca de 1 m e com raios e posicionamento variados. Existe uma outra diferença em relação à panificadora de Chaves: no exemplar de Vila Real, a estrutura de suporte da cobertura abobadada é bastante mais regular, sendo regrada, em planta, por um "módulo" que se aproxima de um quadrado com 10 m de lado. Além disso, a complexidade e dificuldade construtiva que - para a época e para a empresa construtora que realizou a obra ("Construtora Vila Real") - constituiu a execução de arcos de tão pouca espessura em betão armado pré-esforçado, levou a que se optasse, em obra, por uma solução construtiva mais ligeira em relação à de Chaves. Assim, escolheu-se uma estrutura metálica que sustentasse todas as abóbadas, sendo esta composta por moldes das mesmas em chapa de ferro5.
Curiosa, a forma como Nadir Afonso quebra propositadamente o movimento curvilíneo e remata, neste caso, a cobertura, no lado Noroeste, com o desenho de uma laje em duas águas, "justificado", talvez, pela sua função, uma vez que esta alberga, no primeiro andar, a habitação do guarda6. É interessante notar, mais uma vez, o exemplo brasileiro já referido, do terminal de autocarros de Londrina (1952), de João Vilanova Artigas. Nessa obra, também ele concilia uma solução em abóbadas de cascas em betão armado sobre as paragens dos autocarros com um remate em laje inclinada sobre as salas de espera, bilheteiras e outros espaços anexos, embora, neste caso, o "acabamento" seja feito numa só água7.
Nesta panificadora, a existência de um só forno principal resulta ainda numa única chaminé que marca o conjunto na laje mais recuada, ao estilo das quatro da fábrica de Chaves.
Por último, é de referir a diferença de escala existente entre as duas panificadoras que, apesar de ligeira, transforma totalmente o grande espaço central da panificadora de Vila Real.
Com pés-direitos mais altos do que os utilizados em Chaves, esta ampla sala transmite - quando no seu interior - uma sensação próxima de uma pequena nave industrial.
"Mimetizada" pelo próprio autor em relação à sua obra homónima de Chaves, a panificadora de Vila Real denota o mesmo modelo de referências modernas que foram mencionadas para o caso "original", influenciadas claramente pela arquitetura "corbusiana" e brasileira. Como tal, marca presença o mesmo tipo de desenho livre, atento ao cuidado estético na modelação dos volumes e completado por um livre tratamento cromático das formas8, principalmente visível ao nível da rua, nas fachadas que, mais uma vez, opõem subtilmente uma quadrícula ortogonal a um remate superior curvilíneo. Este conjunto de apontamentos remetem-nos novamente para a busca da harmonia e da proporção nas composições arquitetónicas que o Modulor de Le Corbusier - em que Nadir Afonso trabalhou - procurava alcançar.
Em pouco tempo, esta panificadora acabou por se tornar também num exemplo de sucesso. Entretanto, com o evoluir dos tempos e a não adaptação do edifício a novas realidades (ao invés da de Chaves), o "negócio" foi decaindo cada vez mais, acabando por falir, o que resultou no declínio completo da panificadora de Vila Real como grande unidade fabricante de pão.
Tendo funcionado até ao início dos anos 90, atualmente o edifício encontra-se num estado deplorável, de total abandono (quase em ruína), sem qualquer tipo de vedação e proteção. Totalmente degradado e já bastante vandalizado, no seu interior existe todo o tipo de lixo e entulho, assim como matérias combustíveis, não sendo razoável analisar qualquer tipo de possíveis modificações da panificadora em relação ao seu desenho original9.
Neste momento, esta obra arquitetónica de Nadir Afonso está envolta num clima de grande polémica, uma vez que o atual proprietário, José António Meireles, entregou na Câmara Municipal de Vila Real um projeto que passa pela demolição da panificadora para a construção de um bloco habitacional.
Não existindo desenvolvimentos conclusivos até à data, José António Meireles reconheceu o estado de total deterioração do imóvel, que assegurou já ter estado vedado. Não colocou de parte a hipótese de recuperação do edifício, mas espera, para tal, uma
resposta da autarquia de Vila Real ao projeto já citado10. Porém, tudo aponta para que, infelizmente, este projeto seja aprovado e, portanto, provavelmente a panificadora desaparecerá.
Este é mais um caso emblemático em que nunca é demais afirmar que está em causa património relevante da arquitetura moderna portuguesa do século XX e que o imenso desconhecimento do grande público em relação a este e a outros casos semelhantes não contribui para a divulgação da qualidade desse património arquitetónico, bem como para a sua desejada proteção. Também é de referir que, porventura, a hipótese óbvia de adaptação do edifício a novos usos deveria ser aqui ponderada11.
Construção de autor, a moderna panificadora de Vila Real foi uma das últimas obras de arquitetura de Nadir Afonso, pouco tempo antes do seu total abandono da profissão.


Notas:
1.        Frederico CORREIA; Eduardo TAVARES - "Obra de Nadir Afonso ao abandono: Vila Real Panificadora, Lda.: Ascensão e queda!". Notícias de Vila Real, 2007-02-13, p. 10.
2.        Entrevista realizada pelo autor a Nadir Afonso a 17 de Outubro de 2010.
3.        Michel TOUSSAINT - op. cit., p. 36.
4.        Idem, ibidem.
5.        Segundo o Eng.º António Carlos Ribeiro Fernandes, neto do engenheiro responsável pela construção desta panificadora (Eng.º António Fernandes), os moldes das abóbadas em chapa de ferro foram mandados fazer propositadamente à siderurgia "Marinho", localizada em Amarante.
6.         Projetada inicialmente como habitação do guarda, esta chegou também a ser usada como habitação para um padeiro.
7.        Michel TOUSSAINT - op. cit., p. 36.
8.        Para além do branco, desta vez, as cores utilizadas por Nadir Afonso são o creme e um "bordeaux" ligeiramente mais esbatido que o da panificadora de Chaves.
9.        São, porém, visíveis - entre muitos outros aspectos -, as diferentes condições actuais do terreno, tendo sido realizados novos arruamentos diante da panificadora que, pela sua maior elevação em relação à cota original do edifício, o encobrem hoje de forma manifesta.
10.     Frederico CORREIA; Eduardo TAVARES - op. cit.
11.     No seio da corrente de opinião dos "defensores" da reabilitação e manutenção total do edifício da panificadora, já houve quem propusesse que este albergasse um Museu do Automóvel, pela forte tradição de automobilismo que Vila Real possui. 









Quem é Nadir Afonso

Nadir Afonso é o arquitecto autor deste projecto.
Para quem quiser conhecer a sua vida, a sua obra e as razões que o tornam uma figura ímpar na cultura portuguesa, investigue por aqui:

http://www.nadirafonso.com/

http://espacillimite.blogs.sapo.pt/264622.html


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